Por Michele Roza / Fotos: Plinio Zúnica
A voz imponente e inconfundível reverbera na rádio frases precisas sobre os mais complexos casos policiais. Na tevê, as camisas coloridas e o cabelo despenteado chamaram atenção do público para aquele homem de microfone em punho e gestos marcantes. O repórter policial, que usou o dia a dia da sua profissão como uma forma de fazer justiça, tem a busca pela verdade como vocação. Em entrevista ao Arca Universal, Gil Gomes conta com efeito trechos de vida que construíram sua trajetória até hoje.
Você era gago quando criança. Como nasceu o interesse pela profissão?
Eu nasci mudo e fiquei gago (risos). Eu era gago, mas sonhava muito com rádio. Sonhava, sonhava, gaguejava, gaguejava, todo mundo ria de mim e falava: “Mas como você vai fazer rádio?” Só que eu tinha uma força de vontade extraordinária. Lutei, lutei e consegui. Aos 7 anos eu tinha minha própria estação de rádio – uma caixinha de sapato com uma anteninha –, e eu irradiava partidas de futebol, pois meu sonho era ser locutor esportivo. Tanto que eu comecei como locutor e acidentalmente fui para a reportagem.
Então a sua carreira no jornalismo policial partiu de um incidente?
Eu trabalhava na “Rádio Marconi” (estação inaugurada em 1947 e localizada no Centro de Paraguaçu Paulista, cidade do interior de São Paulo), em 1968, fazia esporte. Um dia, aconteceu um fato no prédio. Um dos escritórios foi invadido, houve tentativa de estupro e eu fui cobrir o caso. Foi a primeira vez que eu entrei em uma delegacia. Eu gostei. Gostaram também do que eu fiz. Eu percebi, naquele momento, que não havia reportagem policial com seriedade. Mas eu persisti e hoje já são 52 anos de profissão.
Encontrou dificuldades pessoais devido ao seu trabalho?
A minha família era contra. Foi uma luta muito grande. Trabalhar com rádio e televisão naquela época, há meio século, parecia apenas uma folia. Eu lutei muito. Sou paulistano da Mooca, mas me mudei para o interior. Passei fome e tive que dar até o meu cachorro porque eu não tinha o que oferecer para ele comer. A rotina profissional já me tomou dias de investigação e 19 horas de trabalho diário. Fui casado duas vezes, tenho cinco filhos, mas nenhum jornalista. Três deles são casados, minha filha se casa agora e um é falecido. Hoje moro sozinho.
Como foi a experiência na tevê?
Eu recebi um convite para um programa novo e fui fazer o “Aqui Agora” (programa de cobertura jornalística veiculado pelo SBT, entre 1991 e 1997). Mas em televisão você tem que se preocupar muito com a imagem. Só que no “Aqui Agora”, o meu auge na tevê, eu usava a camisa colorida e aberta, e o meu cabelo despenteado ficava voando. Eu corria, saia do campo visual da câmera, era diferente. Acho que por isso as pessoas gostaram. Foram 6 anos com recordes de audiência. Mas eu gosto mesmo de rádio. E hoje não uso mais as camisas coloridas, já saiu de moda. Aliás naquela época já era (risos).
O que é ser repórter policial?
O jornalismo é vocacional. Ser repórter para mim é ter garra, dedicação e curiosidade. É ficar pensando se será verdade ou mentira, perguntar para si mesmo e correr atrás. Eu adoro a reportagem policial. O jornalismo é a minha família. Eu tenho 684 homicídios esclarecidos por mim ou minha equipe. Meu dia a dia ainda é correria: eu vou dormir e acordo de madrugada. São poucas horas de sono. Às 3h eu já estou na redação da “Radio Record”, leio as notícias e me atualizo pela internet, e me concentro para entrar no ar no início da manhã. Só que agora não vai dar mais para continuar com a mesma rotina porque estou com Mal de Parkinson. Eu sinto muito, pois não posso ir para a rua mais. Eu sinto porque eu sonho com reportagem. Mas só penso em me aposentar daqui a uns 10 anos, ou quando a tremedeira (sintoma da doença) me impedir de falar.
O que mudou em todos esses anos de profissão?
O repórter policial está em extinção. Tudo se dá e consegue por entrevista coletiva. O jornalismo antes era uma boa disputa e agora todo mundo dá a mesma notícia, faz a mesma pergunta, usa o mesmo microfone. Eu nunca perdi uma história, porque eu me esforçava, chegava antes, saía depois, ia para a rua, à casa do cara, à cena do crime. Sempre procurei dar realidade àquilo que fazia. Eu tenho consciência que está difícil correr atrás da informação. Antes eu entrava na favela, subia o morro, tinha conhecidos e permissão para entrar nos lugares. Hoje é mais difícil.
Já realizou alguma investigação por conta própria?
Gil Gomes se dedica porque não sabe ver uma pessoa ser morta. Eu sempre dizia que era o Dom Quixote do crime, com uma lança na mão (o meu microfone), que não descansava enquanto não resolvesse um caso. Em maio de 1969, eu estava na Vila Carrão e foi encontrado um menininho morto, violentado e mutilado, João Alexandre Alves Ferreira (5 anos). Trabalhei 10 anos nesse caso. Acho que sei quem foi, mas nunca se descobriu. É a frustração da minha vida. Quanto ao “maníaco do parque” (assassino em série, condenado pela morte de oito mulheres e outros nove ataques sexuais e roubo, no Parque do Estado, região sul da capital paulista), eu acho que o Francisco de Assis Pereira foi o maníaco do Jardim Eliane também, por associação ao tipo de caso. Ele confessou 14 crimes, mas eu acho que ele tem mais de 30. Ele é perigosíssimo.
Você já sofreu risco de vida, e sentiu medo?
Todo mundo tem medo. Só um louco não sente medo. O corajoso não é aquele que não tem medo, mas aquele que o controla. Uma vez fiquei perdido no meio de um tiroteio entre polícia e bandido, não sabia para qual lado corria. Ao longo dos anos, recebi muita ameaça, sofri tentativa de morte. Uma vez, recebi uma ameaça escrita: “Você tem 30 dias de vida”, começando a contagem regressiva. Recebi buquê de flores e deixaram outros avisos. No final, não deu em nada.
Cometeu algum erro de julgamento?
Cometi um erro imperdoável. Eu costumava atender todo mundo que me procurava. Estava na rádio quando chegou uma senhora com três meninas pequenas dizendo que o pai as havia estuprado. Trabalhei muito no caso, e ele foi condenado. Anos depois, eu fiquei sabendo que foi uma armação da mãe. A própria filha contou. Dói na minha alma lembrar. Mas eu não tive culpa, fiz o que qualquer um faria naquela situação.
O que você tem a dizer sobre a segurança pública?
Há muitos anos, quando eu comecei a falar que estava sendo criado um partido dentro da cadeia, em São Paulo, me chamaram de mentiroso. Poderia ter sido tomada alguma providência naquela época. Mas deixou-se crescer um monstro. Hoje, a segurança pública não existe, ela se esconde. A segurança é mentir. Dados como a diminuição do número de assaltos, na verdade refletem que diminuiu o número de queixas. O comerciante que é assaltado 30 vezes não vai à delegacia mais. De cada 100 homicídios misteriosos, cinco são resolvidos e há duas condenações. O restante fica na impunidade, é arquivado.
No Rio (de Janeiro) também deixaram crescer um monstro. De repente, os bandidos foram para as ruas e mostraram que eram eles que mandavam, desceram o morro, invadiram hotel, queimaram automóveis, mataram policiais, exibiram ouro. Eles não queriam ser traficantes. Eles eram traficantes que queriam ser semideuses. Então, a polícia teve que mostrar trabalho e realizou a atual operação.
Você gostaria de acrescentar algo para os nossos leitores?
Eu tenho um filho que é pastor, e eu vejo de perto a participação do cristão. Aprendi mais com ele sobre religião do que ele comigo. Mas posso contar uma história? Há muitos anos, eu conheci uma pessoa maravilhosa, quando eu estava na “Rádio Capital”, que fazia um programa de madrugada, chamava-se Edir Macedo. Eu o admiro desde aquela época. Ele é um homem sincero, leal, que vai ao âmago da questão. Você já pensou quantos seriam bandidos se não fosse a Igreja? Eu calculo que pelo menos 3 a 4 milhões de pessoas mudaram de vida. A evangelização pelo Edir foi o maior bem que aconteceu.
FONTE: ARCA UNIVERSAL
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