Por Elliana Garcia / Fotos: Demetrio Koch
Polêmico, controverso, sem medo de ficar cara a cara com os bandidos e arrancar deles as respostas que o público quer ouvir. Nesta entrevista, o apresentador e jornalista Marcelo Rezende, a exemplo de seus entrevistados, não se esquiva das perguntas, faz um análise da vida, de suas matérias e fala sobre como vê a questão da crescente violência no País. Desmistificando a fama de bravo, ele nos recebeu com um sorriso, tranquilo. Brincou durante a entrevista e confessou que tem buscado crescer como ser humano, e que das adversidades tirou algumas lições, que compartilha agora com os leitores do Arca Universal.
Como começou a sua carreira?
Aos 17 anos fui com o meu primo, que era editor, à redação de um jornal no Rio de Janeiro. Lá, vi uma pessoa correndo contra o tempo para fechar uma matéria. Havia uma pilha de papel ao lado dele e ele olhava para o papel e datilografava. Cheguei perto dele e perguntei se poderia ditar o que estava escrito enquanto ia escrevendo. Ele aceitou. No dia seguinte, perguntou na redação quem eu era, e o meu primo falou de mim. Essa pessoa que eu ajudei era diretor do jornal e me chamou para trabalhar como repórter esportivo.
Seu desejo era ser jornalista?
Não. Eu pensava em fazer o curso técnico de mecânica e depois cursar engenharia. Mas aconteceu uma coisa engraçada. Aos 18 anos fui fazer a primeira viagem como repórter, só que garotão, sem muita responsabilidade, passei 3 dias viajando com a namorada. Na volta, fui despedido. E o meu responsável me disse que eu estava sendo demitido não pela conduta que tive, mas porque eu não era um bom jornalista. Eu fiquei bravo e disse que seguiria aquela profissão. Consegui um emprego no jornal “O Globo” e uns 3, 4 anos depois eis que meus colegas de trabalho me disseram que meu antigo chefe estava desempregado e que iria à redação em busca de emprego, e que por conta do que havia acontecido antes, seria bom que eu ficasse fora da redação. Pois fiz o contrário. Esperei por ele na porta do jornal, o interpelei e disse: “Ótimo, você vai trabalhar aqui, seja bem-vindo, mas vou ficar na sua cola, quero aprender tudo contigo. E assim, a cada momento de folga, eu grudava nesse antigo chefe e perguntava para ele tudo o que eu queria saber. Posso dizer que ele foi a melhor faculdade que tive.
Como foi para a televisão?
A televisão a principio foi difícil. Mas o que mudou a minha vida foi que houve um assassinato de um homem muito rico no Rio de Janeiro e que atraiu a atenção de toda a sociedade. Ele havia sido morto pelo amante da esposa. O delegado responsável pelo caso praticava judô comigo. Ele me passou muitas informações e fiz uma matéria mostrando a mansão da vítima, que tinha até torneiras folheadas a ouro. Fui o único jornalista a entrar na casa, mostrar como a vítima vivia. Houve muita repercussão e a partir dali comecei a seguir essa linha de reportagem.
Você tem uma forma peculiar de analisar os assassinatos, de fazer entrevistas com os réus. Nunca teve medo de ficar frente a frente com essas pessoas?
Olha, eu sempre convivi com bandidos. Minha mãe era assistente administrativa e meu pai trabalhava como inspetor em uma entidade que cuidava de menores infratores do Rio, como se fosse a Febem (hoje Fundação Casa) de São Paulo. Como funcionário, meu pai tinha direito a uma casa próximo ao local. Quando não estava na escola, estava junto com esses garotos, que estavam se ressocializando. Então, eu via como eles agiam, o que eles falavam e tudo isso foi importante para mais tarde saber tratar com os bandidos.
Como foi entrevistar o “maníaco do parque”, por exemplo?
O “maníaco do parque” (o motoboy Francisco de Assis Pereira, assassino em série) é um cara muito inteligente, aliás, acima da média, como são os psicopatas. Ao fazer a entrevista com ele me senti como se estivesse descendo de um prédio de 20 andares sem nenhuma rede de proteção, só com um pincel na mão. Ele me nocateou, me deixou sem reação. O que aconteceu foi que eu levei uma pasta com as fotos das vítimas e mostrei para ele e fui perguntando caso a caso. Num certo momento eu perguntei: “E se fosse com a sua filha?” Ele replicou: “E se eu fosse seu filho?” Eu fiquei sem saber o que responder. E se fosse o meu filho que estivesse ali, na minha frente e que tivesse praticado tudo aquilo, o que eu faria? Foi a primeira vez que fiquei sem saber o que responder diante de um entrevistado. Ele quebrou as minhas pernas.
Você utiliza o bordão “raciocina comigo” e nos casos de assassinatos sempre encontra alguma lacuna que leva o telespectador a refletir. Nesses casos de grande repercussão, há alguma pergunta que, a seu ver, ficou sem resposta?
Foi bom você ter me perguntado isso. Mas é uma coisa minha, não quer dizer que o público tenha que compartilhar disso. Vou citar o caso Nardoni. Pelos vídeos, antes do assassinato, a família estava passeando, todo mundo tranquilo, feliz, como se fosse a típica família de comercial de margarina. Logo depois, acontece aquela tragédia. Em nenhum momento houve confissão dos acusados. E o amor de uma mãe é o maior amor que existe. Será que um dos dois não poderia assumir a culpa, para um deles cuidar dos filhos? Mas como nenhum dos dois assume, ou, acusam um ao outro, eu fico matutando aqui: “O que será que realmente aconteceu?” Porque nem Romeu e Julieta se fossem vivos seriam tão leais assim ao outro. E não estamos diante de nenhuma história de Shakespeare. Então, eu tenho essa dúvida.
Como você analisa essa crescente onda de violência?
Em primeiro lugar, acho que as políticas públicas, o dinheiro que está lá em cima, tem que chegar na base, no povo mais carente. É preciso investir em educação, saneamento básico, saúde. E sou a favor do controle de natalidade. Essas pessoas não podem sair por aí tendo filhos que nem ratos, sem ter condições de criar. Têm os filhos, mas não têm condições. Os filhos vão para a rua, e sem acesso à comida, educação, se tornam o quê? Viram bandidos. Então, tem que começar por aí, mas não necessariamente nessa ordem.
Mas a violência procedente de pessoas da classe média não tem aumentado?
Mas eu ia chegar aí. O problema é que a família hoje está desintegrada, em todas as classes. Mas vamos falar das classes mais favorecidas, porque o índice de jovens da classe média no crime tem crescido assustadoramente. Os pais dão tudo para os filhos: celular, internet, falam mais com os filhos virtualmente do que pessoalmente e não impõem limites. Mas não dão o que eles mais precisam. Não há diálogo nas famílias. Com isso, há uma inversão de valores. As mães ficam fazendo compras, colocando botox, silicone, preocupadas com a estética, mas não ficam 5 minutos conversando com os filhos. Não estou dizendo que sou contra quem procura se cuidar, só que não adianta se preocupar tanto com o corpo, em parecer mais nova e esquecer que há uma família para cuidar, há seres que dependem delas. Somos chamados de “ser humano”. Só que estamos mais preocupados com o “ser” e o “humano” está ficando em extinção.
Qual a entrevista mais importante que você já fez?
Eu estava de campana, fazendo uma investigação para uma matéria sobre adulteração de combustíveis. Junto comigo estava uma pessoa que conhecia o local e ele passou a noite me contando sobre a crise que estava enfrentando na vida pessoal. Eu o ouvi, o aconselhei e o fato de tê-lo ouvido naquele momento fez toda a diferença. Havia passado um telefone pra ele que poucas pessoas tinham, e anos mais tarde ele me ligou e me falou de um vídeo onde policiais cometiam atrocidades contra algumas pessoas. Era o vídeo da favela Naval. Ele me entregou esse vídeo e colocamos na mídia. Aí, raciocina comigo. Olha como é a vida. Como o fato de parar, de dar atenção a alguém pode fazer uma grande diferença na vida. Não que a gente tenha que fazer algo porque vai receber algo em troca, não. Faça apenas sem esperar nada em troca. Dar é receber em gratidão. E Deus sempre foi muito bom comigo nesse sentido. E sem dúvida essa matéria da favela Naval foi a melhor, porque correu o mundo inteiro e denunciou as atitudes dos policiais do ABC Paulista.
Já que você falou em Deus, como é a sua relação com Ele?
Deus é muito bom comigo. Eu estou dando essa entrevista para o Arca Universal e muitas pessoas podem achar que estou puxando o saco, e eu não preciso fazer média com ninguém. Mas o fato é que, sem ter condições de me pagar, a “Rede TV” me demitiu e, pela primeira vez na vida, em 30 anos de carreira, fiquei desempregado. Como foi difícil. Fiquei 8 meses desempregado e sem nenhuma perspectiva de voltar à televisão. A “Rede TV” me pagou a rescisão de contrato em 8 prestações.
Um dia eu parei e disse de uma forma bem simples: “Deus, eu estou precisando do Senhor. Olha, Deus, eu tentei, utilizei todos os recursos que eu tinha, mas não consegui nada. Então, o Senhor pode ajeitar as coisas aí pra mim?” Resolvi deixar nas mãos Dele e você não vai acreditar, mas recebi a última parcela da rescisão de contrato e logo em seguida fui contratado pela “TV Bandeirantes”. Agora, estou de volta à “Rede Record”.
Esse foi o momento mais difícil que passou?
Na TV Bandeirantes criamos o programa “Tribunal na TV” e logo depois, saindo de um velório, eu tive um acidente e quebrei a perna. Fiquei com a perna engessada até a virilha por 5 meses. E eu aprendi muito. Tanto no tempo anterior em que fiquei desempregado, quanto nesse. Eu sempre fui um cara perfeccionista, meio mandão, mas fui aprendendo a esperar, a respeitar ainda mais o ser humano, a ser mais tolerante. E se você me perguntar se pudesse voltar no tempo e passar por esses dois episódios novamente, se eu passaria, eu diria que sim. Pois cresci muito como ser humano. Cresci muito com essas adversidades e agora posso dizer que sou um novo Marcelo Rezende.
Que conselho deixa para as pessoas que gostam do seu trabalho?
Eu não sou muito bom de conselho. Tem até o ditado que diz que se conselho fosse bom, a gente não dava, vendia. Então, vou falar o que eu fiz. A vida me deu sinais de que era preciso mudar o meu jeito. E eu mudei. Aliás, estou mudando a cada dia. Estou olhando mais pra mim mesmo, preocupado com o meu bem-estar, no sentido de estar equilibrado e passar isso adiante. Ser generoso, educado, porque essas coisas fazem a diferença na vida de uma pessoa. E estão fazendo na minha.
FONTE ARCA UNIVERSAL
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