Por Jaqueline Corrêa
Ele já havia percebido uma névoa lhe rondando. “Deve ser a chuva se aproximando”, Martin pensava. Aos poucos, ela ia crescendo mais e mais, mesmo assim ele parecia não se importar.
Martin era um rapaz que todos poderiam definir como ‘de bem com a vida’, e de fato o era mesmo. Estava sempre disposto a qualquer coisa, conversa com os vizinhos, ajuda aos mais necessitados, fazia questão de carregar as sacolas dos idosos quando os via. “É um menino de ouro”, eles sempre comentavam.
No namoro, Martin era impecável. Comprava presentes inesperados para a namorada, a levava ao cinema sem que ela pedisse, e até abria a porta do carro e lhe dava flores da estação – ato praticamente ‘inconcebível’ nos dias atuais.
Todos os dias, Martin saía para caminhar, cuidava sempre da saúde, estudava bastante, e um dos seus lemas era trabalhar muito para não precisar depender de ninguém. Um dos seus sonhos era ser bem-sucedido na vida.
Mas, aos poucos, percebeu que a sua visão não era mais a mesma. E passou a observar isso quando, há alguns dias, chegou em casa e tropeçou em um puff à sua frente. Como pôde não ter visto? Realmente, a visão dele estava cada vez menos eficiente. Tempos depois, passou a andar a palpadelas, praticamente se arrastando na própria casa.
A cada dia, seus passos tornavam-se mais curtos; suas mãos tocavam a parede e se arrastavam até o final do corredor até encontrar a primeira porta. Precisava saber de qual cômodo se tratava. Seria o próprio quarto? O quarto dos pais? O que estava acontecendo? Martin segurava firmemente a maçaneta da porta e cuidadosamente a empurrava para não perder o equilíbrio; apalpava os objetos e tentava ver se os reconhecia.
Mas, um passo a mais, e ele tropeçou em um sapato largado no chão, se desequilibrou e caiu feio. Já estava completamente cego.
A mãe de Martin entra no quarto e o encontra chorando copiosamente. Ela chora junto do filho, mas faz de tudo para que ele não perceba. Não adiantava, era como se os ouvidos dele se aguçassem a ponto de escutar as lamentações mais profundas de sua mãe. Ninguém entendia aquela cegueira.
– Está tudo escuro, mãe!
Ela só fazia balançar a cabeça negativamente.
Horas depois, deitado na cama, abria e fechava os olhos, e não via diferença alguma. Se era dia ou noite, também não fazia distinção. Há dias não saia de casa; há dias, desde que percebeu-se naquela escuridão solitária, isolou-se de todos. Ficou amargo, rancoroso. Era como se estivesse pagando por algo que não cometera.
Um dia, a sua mãe o chamou para almoçar, e ele simplesmente gritou:
– Sai daqui! Sai do meu quarto! Não enche!
Parecia que a cegueira de Martin estava colocando para fora toda a sua essência. Como se a sua verdadeira identidade estivesse se revelando na escuridão.
Numa determinada noite, Martin deitou no chão do seu quarto e começou novamente a chorar. Era sempre o que fazia desde que havia perdido a capacidade de ver a luz. Pensava nos momentos em que conseguia ver, na ex-namorada, nos antigos amigos, na vida que levava quando conseguia enxergar.
Foi quando observou um ponto brilhante na parede. Martin não acreditava. Teria voltado a ver? Ele se levantou e seguiu rumo àquela luz do tamanho de um botão. Não tropeçou, não caiu e seguiu confiante para tentar tocá-lo o mais rápido possível.
Era como se a sua chance estivesse ali. “Se consigo enxergar um vagalume, certamente poderei ver as outras coisas também”, Martin só pensava nisso. Estava cansado, fraco, malcheiroso e com uma aparência de assustar. Havia se tornado quase um mendigo dentro da própria residência.
Martin seguia a passos largos com a esperança estampada no rosto e o braço esticado para lançar mão naquela pequena luz na parede. Ele conseguiu, e foi como se as luzes do quarto se acendessem todas instantaneamente. Tudo ficou claro demais, tudo se iluminou repentinamente. Precisou até cerrar os olhos por pouco tempo até a iluminação parar de machucar a sua visão.
Martin voltara a enxergar. Prova disso foi o espelho. Conseguiu se ver, se analisar, e perceber que a escuridão nada mais é do que uma forma de esconder o que não queremos ou não podemos enxergar; e que a luz na parede, por menor que seja, tem o poder de revelar o que somente nós podemos constatar.
Para isso, só precisamos encontrá-la.
Podemos ser pessoas boas e maravilhosas, mas, quanto mais longe estivermos da Luz, mais próximos estaremos da escuridão, e isso fará com que a nossa real essência um dia se revele.
Encontrar a Luz é a única forma que temos de enxergar o que não podemos, e assim nos tornarmos livres não só das trevas, mas também da nossa própria escuridão.
FONTE: ARCA UNIVERSAL
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