Por Cinthia Meibach
Em 1918, ano em que a Primeira Guerra Mundial chegou ao fim, nascia no bairro de Livramento, zona rural da cidade de Osório, no Rio Grande do Sul, uma verdadeira guerreira, chamada Eugênia Soares.
Quando tinha apenas 1 ano, a mãe, que esperava mais uma menina, morreu no parto, e o pai, sem condições financeiras e emocionais de criar a nova criança, decidiu deixá-la aos cuidados do irmão. Mas, após 6 anos, a garota também morreu.
Então, Eugênia tornou-se a caçula entre cinco irmãos e, ao lado da única irmã, Maria Soares, 3 anos mais velha, sofreu nas mãos da madrasta. “Após a morte da minha mãe, meu pai casou com a irmã dela, minha tia, mas ela batia muito em todos os filhos, a ponto de nos agredir com um grosso tamanco, até sangrar. O sofrimento era tanto que meus irmãos foram embora de casa, ficando apenas eu e a Maria”, lembra.
A rotina das duas era a de ajudar o pai no sustento da casa, que consistia na plantação de milho e feijão, mas a recompensa eram os maus tratos pela madrasta. Até que um dia, quando Eugênia estava com 14 anos, a irmã Maria, à época com 17, fez um convite irrecusável, a fim de livrá-las do julgo da tia má: fugir de casa.
Elas colocaram o plano em ação e, em uma tarde de verão, pegaram algumas roupas e saíram mato adentro em direção à usina de açúcar em que o namorado de Maria trabalhava. “Eu lembro que quando chegamos lá, ele havia separado três cavalos para a nossa fuga, mas como eu nunca havia montado, subia por um lado e caia pelo outro”, conta Eugênia, achando graça da situação que viveu.
Após muitas quedas da iniciante montadora, os três chegaram ao centro de Osório (foto acima) e, de lá, as duas irmãs partiram de ônibus em direção a Porto Alegre, capital do estado. “Quando meu pai descobriu que estávamos lá, ele foi nos buscar, mas não adiantou. Fugimos novamente”.
Sempre juntas, as duas irmãs fixaram residência na capital, na esperança de constituírem uma nova vida, deixando para trás as marcas de açoites que carregavam no corpo e na alma.
Mas a união das duas estava com os dias contados, pois, aos 18 anos, Eugênia começou a namorar o carregador de cargas portuárias Cassiano Corrêa (foto ao lado), até decidirem viver juntos. “Eu fui morar com ele em Porto Alegre e tivemos três filhos. Um dia, após uma briga, ele foi embora para São Paulo e, alguns meses depois, me ligou, pedindo que fôssemos encontrá-lo, pois estava à nossa espera”.
Em meados dos anos 40, apaixonada e disposta a dar um futuro melhor para os filhos, Eugênia contrariou Maria e embarcou em um navio, rumo à metrópole desconhecida. Desta data em diante, a irmã caçula rompeu todos os laços que tinha com o pai e irmãos gaúchos, formando uma nova família em São Paulo, composta por 10 filhos, mais de 30 netos e mais de 10 bisnetos.
Apesar das raízes dela terem se fincado na zona norte da capital paulista, dentro dela ainda havia a esperança de um dia retornar à terra natal e encontrar os entes queridos. “Por três vezes eu viajei a Porto Alegre, mas quando chegava lá, sempre algo acontecia e eu não conseguia ir em busca de ninguém. Então, retornava para casa, cada vez com menos esperança de encontrar algum irmão vivo”, declara.
Hoje com 92 anos, a viúva Eugênia pensava que já havia vivido todas as emoções possíveis para a idade, mas a maior surpresa ainda estaria por vir.
Decidido a por um fim neste vazio que acompanhava a mãe por 70 anos, no primeiro mês de 2011, um dos filhos de Eugênia, Cassiano Soares Corrêa, de 60 anos, foi com ela mais uma vez ao Sul do País, em busca de informações sobre o paradeiro da família gaúcha. “Eu fui determinado a encontrar alguém, nem que fosse apenas um primo, pois durante todos esses anos nunca tivemos tios, tias ou primos. Eu sentia falta desses laços”, revela Cassiano.
Após muitas buscas em cartórios, prefeitura e com os moradores de Osório, Cassiano descobriu o endereço da prima Vera Regina Alves, filha de Maria, a mesma irmã que havia fugido com Eugênia. Ao chegar à casa dela, a emoção tomou conta de todos, pois apesar da avançada idade, 95 anos, e de estar acamada em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC), Maria demonstrou reconhecer a irmã. “Foi emocionante, pois quando minha mãe a viu, ela levantou a cabeça, querendo falar algo, mas não conseguia”, diz Vera.
Ao deparar-se com a irmã (foto ao lado), a emoção que tomou conta de Eugênia foi tão forte que ela emudeceu. Ela conta que ao mesmo tempo em que se entristeceu em ver a irmã acamada, ficou feliz por reencontrá-la. “Por mais que ainda tivesse um restinho de esperança de ainda encontrar alguém vivo, não esperava que essa pessoa fosse a Maria. Quando a vi, nem acreditei que o que estava acontecendo era real, as lembranças do que passamos voltaram todas, como um filme”.
Depois de longas conversas, perguntas e respostas de ambos os lados, os recém conhecidos parentes despediram-se e Eugênia voltou para a realidade dela sem saber ao certo se as mesmas lembranças afloradas por ela, no momento do encontro, também existiram da parte da irmã.
Questionada sobre qual lição a vida lhe deu com toda essa história, Eugênia responde pausadamente: “Eu lamento muito não ter ido atrás dos meus familiares nas outras vezes em que estive lá, pois, com certeza, teria encontrado meus outros irmãos vivos, e até mesmo meu pai, pois me disseram que ele morreu aos 100 anos. Mas, essa é mais uma surpresa que a vida me aplicou, e espero ainda ser surpreendida muitas outras vezes, pois, pelo que vi, a longevidade é a marca da família Soares”, finaliza, demonstrando estar pronta para outras emoções que a vida lhe reserva.
FONTE: ARCA UNIVERSAL
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