Por Marcelo Cypriano / Fotos: André Moura e Divulgação
A arte da interpretação começou de uma forma natural para Catherine Fabienne Dorléac. Filha do ator de cinema e teatro Maurice Dorléac e irmã da também atriz Françoise Dorléac, a francesinha Catherine, aos 13 anos, estreou no cinema em “Les Collégiennes”, de André Hunebelle, em 1956. Ao longo da adolescência, trabalhou em filmes do diretor Roger Vadim, que também consagrou atrizes como Bigitte Bardot e Jane Fonda, até chegar ao estrelato protagonizando “Os Guarda-chuvas do Amor” (foto abaixo), de Jacques Demy, em 1964.
Então já conhecida como Catherine Deneuve, estava no rol das atrizes que revolucionaram a arte tal e qual as mulheres começaram a revolucionar a vida real, na vanguarda de um movimento que fez história no cinema francês e mundial com um jeito mais simples e direto de se fazer filmes, a Nouvelle Vague (nova onda), que teve como representantes François Truffaut, Claude Chabrol e Jean-Luc Godard, entre outros. Nos conturbados e polêmicos anos 60, ganhou status de símbolo sexual e de grande exemplo de beleza da mulher francesa, em filmes como “A Bela da Tarde”, de Luis Buñuel e “Repulsa ao Sexo”, de Roman Polanski.
As décadas de 60 e 70 foram riquíssimas para sua carreira cinematográfica internacional, alçando a estrela ao panteão da história do cinema. A vida pessoal também foi movimentada. Casamentos e filhos, entre eles Christian Vadim (com Roger Vadim) e Chiara Mastroianni (com o ícone italiano do cinema Marcello Mastroinanni, na foto ao ladocom Deneuve), hoje também atriz, com quem Deneuve já contracenou e considera grande cúmplice. A figura de beleza francesa continuou, e a atriz também tornou-se a musa da alta costura de seu país. Dava vida a criações do estilista Yves Saint Laurent e representou o famoso perfume Chanel Nº 5 na publicidade mundial, fazendo dele a fragrância mais vendida no planeta por mais de 20 anos. Chegou mesmo, após Brigitte Bardot, a emprestar seu rosto à figura alegórica oficial da República da França, Marianne, em selos e moedas (a mesma efígie no verso das moedas de Real no Brasil, embora a nossa seja baseada na figura antiga, e não no rosto de uma pessoa que existiu de verdade).
Incontestavelmente um ícone francês e da sétima arte, continuou a trabalhar na década de 80 com irrepreensíveis interpretações, como em “O Último Metrô” (foto ao lado), de Truffaut e o inglês “Fome de Viver”, fita vampiresca em que dividiu a tela com Susan Sarandon e o cantor pop David Bowie. Na década seguinte, continuou firme em seus papéis e continuou a amealhar vários prêmios importantes do cinema. Chegou a ser indicada ao Oscar por “Indochina”, em 1992, premiado como melhor filme estrangeiro. A virada para o século 21 trouxe mais papéis internacionais, como o excêntrico “Dançando no Escuro, de Lars Von Trier, e “8 Mulheres”, em que contracenou com outras das maiors divas do cinema francês como Fanny Ardant e representantes de gerações mais recentes como Emmanuelle Béart.
Catherine Deneuve soube adaptar seu trabalho a sua idade. Em entrevista recente, considerou que os autores de sua geração estão desaparecendo ou se aposentando. Alguns estão se renovando, como ela: “Depois de interpretar mães, começo a interpretar avós. O importante é continuar com o prazer que sinto com o cinema.”
No Brasil
Convidada de honra da Mostra Varilux de Cinema Francês, evento que exibirá filmes recentes e antigos de seu país no Brasil de 08 a 16 de junho, Deneuve lançou em São Paulo o filme “Potiche – Esposa Troféu”, que muitos podem interpretar, e com razão, como uma homenagem à atriz e a sua obra. Dividindo a cena com Gérard Depardieu, com quem já trabalhou em vários filmes ao longo dos anos, mostra elegância apesar da idade e seu costumeiro timing para comédias à francesa, ainda que se adapte com facilidade a linguagens cinematográficas e teatrais de outros países.
A história gira em torno de Susanne Pujol (Deneuve), que para seu marido Robert (Fabrice Luchini) é só mesmo o que o título sugere: uma pessoa-enfeite, uma esposa perfeita e bonita para que todos vejam e para emprestar prestígio e admiração ao seu “dono”, sem direito a expressar opiniões. Só que algumas situações balançam a saúde de Robert, que se vê obrigado a deixar Susanne na direção da fábrica da família que ele preside. A antes dona de casa abafada em suas obrigações domésticas revoluciona a administração da empresa, em uma divertida reviravolta, num filme de linguagem bem teatral e só para adultos
E foi em São Paulo, no primeiro dia da mostra, que o ícone francês (aceitando ela o rótulo ou não) conversou com jornalistas de vários veículos de imprensa, incluindo o Arca Universal.
Diretores – “Não há como dizer qual é o melhor. É impossível fazer uma escolha. São personalidades diferentes com as quais podemos dar a sorte de um encontro durante a vida. Com vários deles, aprendi sem me dar conta, principalmente aqueles que dirigem os atores, especialmente. Esse aprendizado, aos poucos, constrói você como profissional e como pessoa. E vamos mudando com o tempo. Hoje, por exemplo, eu acho que não conseguiria fazer um papel de (um filme de) Godard, ou a rainha da Inglaterra. É muito forte isso.”
Personagens liberais – “Trabalhei em meio à revolução de costumes dos anos 60, em papéis que mostravam as mudanças do universo feminino de então (como em "A Bela da Tarde", na foto), que está mudando até hoje. E mesmo os diretores com quem trabalhei nas décadas seguintes eram cinéfilos que conheciam meus filmes daquela época, conhecem a fundo minha filmografia. Era uma época diferente, sem tanta mídia quanto agora, sem tantos paparazzi, sem os mesmos recursos, e tudo era mais simples. O trabalho era mais simples.”
Cinema francês e brasileiro – “Conhecemos pouco do cinema brasileiro na França. Temos essa chance quando alguma distribuidora os lança por lá. O francês vai muito ao cinema, gosta de descobrir novas formas de se fazer filmes. Como em vários países do mundo, temos uma grande presença do cinema norte-americano. Mas o governo francês tem leis de incentivo que ajudam muito aos cidadãos no sentido de eles poderem apreciar os filmes de seu país. E são incentivos tanto na produção quanto na exibição.”
Filmes de autor X blockbusters – “Existem países em todo o planeta nos quais é muito difícil lutar contra a predominância de filmes norte-americanos nas salas de cinema. Como o que interessa é bilheteria, poucas são as distribuidoras que se interessam por filmes de autor. Na Indonésia e em alguns lugares da África, por exemplo, é muito difícil divulgar um filme local ou de autor. O tratamento é desigual quando falamos de um blockbuster e de um filme mais autoral, que todo país tem, e que tem, sim, seu lugar perante o público. Os festivais, por exemplo, são ótimas vitrines para os filmes, ainda mais quando há jornalistas estrangeiros presentes, que os divulgam.”
Mulher – “As mulheres têm feito muitas conquistas ao longo das últimas décadas. São mudanças radicais em relação a como a mulher vivia por séculos até pouco tempo atrás. A violência conjugal, por exemplo, não tem a ver com a evolução feminina – ela sempre existiu. Aqui no Brasil vocês têm pela primeira vez uma mulher na Presidência e na França nós quase tivemos nas recentes eleições. Isso é fruto de disponibilidade de mulheres nas atividades políticas, de multiplicidade. Ainda há muita injustiça em relação a isso, muitas mulheres com salários menores que os de homens. Mas tudo está mudando, as feministas estão aí para isso. A mulher não se tornou mais poderosa e forte. E evolução foi ela perceber que já era isso, uma mudança de mentalidade.”
Mulher enfeite – “Uma pessoa tem um enfeite e pega emprestado dele alguma coisa: beleza, prestígio. E há pessoas-enfeite, como no filme (“Potiche”, na foto). Pessoas que não passam de objetos decorativos para seus parceiros se destacarem. Ficam sempre ao lado dos ‘donos’ e não falam nada, não expressam opinião, não demonstram personalidade. Há muitas mulheres-enfeite ao longo da história, inclusive famosas. Mas há muitos homens-enfeite também, exibidos como troféus. Não é exclusividade feminina.”
Ícone – “Bem... ícone é uma palavra forte. Muito forte mesmo. É pesado carregar isso. Quando vemos uma pessoa tida como ícone nos filmes, em um papel de ‘comum’, vemos seu cotidiano mais de perto. Elas podem ser mais poéticas, de alguma forma. Atualmente, meus papéis são de mulheres mais comuns, mas para mim não são tão comuns assim, são pessoas especiais. Olhando de perto, são muito particulares, únicas. Mas ser vista como um mito, um ícone, é um fardo muito pesado.”
Extravagâncias de artista – “Disseram que eu exigi 400 toalhas brancas e um chef particular? Mas aí não seria eu, seria a Sharon Stone (risos)! Não pedi nada. Muitos jornalistas sabem que isso não é verdade, mas espalham esses boatos assim mesmo. Não pedi nada, não fiz exigência nenhuma. Extravagâncias eu levo para longe daqui. As minhas extravagâncias são muito mais particulares.”
Beleza – (Após profundo suspiro) Bem, para alguns, beleza é questão de genética. Minha mãe, embora já estivesse idosa, era uma mulher muito bonita. Há cuidados também, com a questão da genética ou não. No meu caso, procuro me proteger do sol (como notei que as brasileiras também fazem bastante), bebo muita água e tomo certos cuidados de beleza por alguns períodos, não sempre, senão vira pressão. Tomo cuidado com a alimentação, mas também me permito algumas coisas gostosas, porque a vida não é feita exclusivamente de legumes cozidos todo dia. Procuro uma vida sadia, estar perto da natureza, e não me pergunto muito sobre isso.”
Mãe – “Sou muito próxima de Chiara. Nossa relação é muito forte e somos muito presentes uma para a outra (ela, inclusive, mora bem perto de mim). Raramente há conflitos, mas é claro que eles existem. Não sou a melhor amiga de minha filha, sou mãe dela. Mas uma mãe bem próxima, claro. Como atrizes, fizemos trabalhos juntas (como na foto, em “Les Bien-aimés” (foto ao lado), do francês Christophe Honoré, ainda a ser lançado). Estivemos juntas no último festival de Cannes e foi muito bom, nunca trabalhamos tão próximas.”
FONTE: ARCA UNIVERSAL
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