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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

LUCIANA DESISTE DE ODIAR HELENA


Desde a chegada de Luciana (Alinne Moraes) ao Brasil, que ela e Helena (Taís Araújo) não se viam. O encontro acontecerá no Ano Novo, na casa amarela, onde Helena e Marcos (José Mayer) estarão fazendo uma festa de réveillon. Elas terão uma conversa surpreendente, que revelará como Luciana amadureceu depois do acidente. Leia a cena completa:






Helena verá Luciana na cadeira-de-rodas, de costas para a porta, a cabeça um pouco baixa, cansada. Helena emociona-se na mesma hora. Fica um tempo assim. Luciana percebe que alguém entrou. Pergunta, imóvel.





LUCIANA:



— Quem é que está aí?



HELENA:



— Sou eu, Lu. Helena.





LUCIANA:



— Ainda não sei manejar esta cadeira, mas tenho bastante tempo pela frente para aprender.



HELENA:



— Eu ajudo.



LUCIANA:



— Não. Fiz um pedido nesse último dia do ano: quero aprender a fazer tudo sozinha. Quero dispensar ao máximo a ajuda de qualquer pessoa. Preciso conseguir isso para não me sentir mais deficiente física do que já sou.





HELENA:



— Você vai conseguir.



LUCIANA:



— É a frase que eu mais ouço: a de que eu vou conseguir. Quando uma amiga minha perdia o namorado e sofria, achando que nunca mais ia esquecer o rapaz, eu dizia: você vai conseguir. Quando uma dessas amigas perdeu a mãe num desastre e me disse: nunca mais vou superar essa dor, esse sofrimento, eu também disse: você vai conseguir. E agora é o que todos me dizem diante das minhas limitações. A de que eu vou conseguir superá-las.



HELENA:



— Você tem razão. É difícil consolar. Sempre dizemos as mesmas coisas porque não sabemos o que dizer diante do sofrimento dos outros.



LUCIANA:



— Vai ver o melhor é não dizer mesmo nada.



Vitória entra



VITÓRIA:



— Desculpem, mas já vão servir a ceia, Luciana. Não quer vir?



LUCIANA:



— Vem me buscar daqui a pouco.



VITÓRIA:



— Tudo bem, mas eu vou levando as adaptações para você comer direitinho, tá?



LUCIANA:



— Tá.



VITÓRIA:



— Já deixo vocês em paz.



OUTRA CENA:



LUCIANA:



— Sua festa está muito bonita.



HELENA:



— Obrigada. Feita assim, às pressas, mas muita gente me ajudou.



LUCIANA:



— Gostei também da casa, de como você arrumou. Pelo menos nessa parte de baixo, que é o que eu pude ver.



HELENA:



— Posso mostrar a casa toda pra você.



LUCIANA:



— Vamos ter tempo pra isso quando eu vier morar aqui. Este quarto era o quarto de hóspedes, quando morávamos aqui.



HELENA:



— Agora estamos arrumando para você. Mais alguns dias e ele vai estar pronto para você mudar quando quiser.



LUCIANA:



— Quando uma de nós brigava com as outras duas, vinha pra cá, dormia aqui, se impunha esse castigo. Eu tinha medo de ficar aqui sozinha na parte de baixo da casa, enquanto todos estavam lá em cima. Minha mãe sabia disso. Então, quando meu pai dormia, ela descia e ficava aqui comigo, contando histórias e esperando o dia clarear. Só então ela subia e se deitava.



HELENA:



— Imagino como você se sentia segura com ela aqui perto.



LUCIANA:



— Só assim eu conseguia dormir.



LUCIANA:



— Fiquei triste quando você perdeu o bebê.



HELENA:



— Pois é. Não esperava por isso. Estava tudo indo tão bem. Estava com dez semanas, nem isso.



LUCIANA:



— Já está tentando engravidar outra vez?



HELENA:



— Ainda não posso. Tenho que esperar mais um tempo.



LUCIANA:



— Eu estava querendo muito ter esse encontro com você.



HELENA:



— Eu também.



LUCIANA:



— E não sabia direito como ia ser e o que íamos falar, mas era necessário estar assim, diante de você, como agora. E olhar nos seus olhos e saber se você está com pena de mim pelo que aconteceu.



HELENA:



— Não, Lu, pena não, não acho que seja o caso. Mas lamento, lamento muito, do fundo do meu coração, da minha alma, o que aconteceu. E juro, juro por tudo que é mais sagrado, como trocaria de lugar com você, se isso fosse possível.



Luciana tem uma rápida reação de desagrado ao ouvir isso.



LUCIANA:



— Ah, você não sabe o que é estar aqui, sentada nesta cadeira de rodas. Não sabe. Acredito que nem imagine. Ninguém pode imaginar como eu me sinto. Já viu um passarinho com as asas cortadas? Ele quer voar, sabe que nasceu para isso, olha o céu e vê os outros pássaros voando, e ele não pode, não consegue, por mais que queira, por mais que tente. Eu me sinto assim. Com as asas cortadas. E pior: sabendo que elas podem não crescer nunca mais. E que o melhor que eu tenho a fazer para evitar um sofrimento maior, é desaprender de voar. Esquecer como se voa. Não olhar mais para o céu.



HELENA:



— Desculpe repetir, Lu, mas sei que você vai conseguir. Seu pai me contou a visita do doutor Kalil.



LUCIANA:



— Você não esteve com ele?



HELENA:



— Não. Estava em Búzios. Foi no dia em que eu perdi o bebê e ele só ficou dois dias no Rio.



LUCIANA:



— Ele foi um encanto de pessoa, mas não me deu nenhuma esperança.



HELENA:



— Eles são muito cautelosos.



LUCIANA:



— Foi o que o Miguel me falou.



HELENA:



— E se não deu esperança, claramente, também não afirmou que isso não seria possível.



LUCIANA:



— Porque nada é impossível.



LUCIANA:



— Não pensei que o nosso primeiro encontro depois que saímos da Jordânia, fosse assim, do jeito que está sendo. Muitas vezes pensei nesse momento. No que eu diria a você. No que você me diria. Tive tanta raiva, ódio mesmo. Culpei você por tudo que me aconteceu.



HELENA:



— Eu me culpei mais do que ninguém.



LUCIANA:



— Passava e repassava, na memória, tudo que eu queria dizer. E cheguei até a me imaginar pulando no seu pescoço, te agredindo, fazendo você sangrar. E também desejei mal a você. Quis que você morresse. Pior: quis que acontecesse com você a mesma coisa que aconteceu comigo. Que sofresse também um acidente e ficasse presa à uma cadeira de rodas. Pior: presa à uma cama, sem poder levantar.



HELENA:



— Eu entendo.



LUCIANA:



— Mas depois vi que nada disso que acontecesse com você me devolveria os movimentos, me faria andar novamente.



LUCIANA:



— Então... desisti de te odiar.



LUCIANA:



— Melhor que fique assim. Não vamos cair nos braços uma da outra. Não imediatamente, pelo menos, mas sei que precisamos conviver bem, de alguma maneira, eu morando aqui, na sua casa.



HELENA:



— Na casa do seu pai.



LUCIANA:



— Que seja. Na casa do meu pai. Estou sendo egoísta, eu sei, pensando só em mim. No que é melhor para mim.



HELENA:



— Tem que pensar em você. Agora mais do que nunca. Pedi perdão ao seu pai, à sua mãe e... e só faltava... pedir a você também que me perdoasse.



LUCIANA:



— Já não culpo você pelo que aconteceu comigo. E se não culpo, não tenho o que perdoar. Vamos ter que viver assim as nossas vidas. Com um certo estranhamento, mas sem rancor. Sem ódio. E quem sabe um dia, tudo fique ainda mais claro e a gente possa então, se abraçar como tantas vezes nos abraçamos.



HELENA:



— Tenho certeza que vamos conseguir.



LUCIANA:



— Tive inveja de você. Do seu sucesso. Da sua independência. Da sua força. Sabia de todas as suas dificuldades para conseguir vencer. Do preconceito que sofreu. E ciúme também por ter casado com meu pai. Por ter feito minha mãe sofrer. E quando soube, quando comentaram comigo sobre o aborto que você fez para não perder um contrato, pensei: é isso. Isso é que vai ferir a Helena mais do que qualquer coisa. E fiquei esperando a hora de atirar esse aborto no seu rosto.

Vitória aparece.



VITÓRIA:



— Lu: agora você precisa ir.



LUCIANA:



— Tudo bem.

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